Maria Zenó, da Dreminas; Dra. Júnia Cioffi, presdiente da Hemominas, Dr. José Nélio Januário (Nupad) e Joice Aragão, da Coordenação Geral do Sangue e Hemoderivados, na abertura do Enafal - Fotos: Adair Gomez

Como se tornar um agente político na garantia de direitos sociais das pessoas com Doença Falciforme. Este o tema norteador do VI Encontro Nacional de Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Enafal), que começou nesta terça-feira, 7, em Belo Horizonte, reunindo cerca de 70 representantes de Associações de todo o Brasil.

Abrindo o Encontro, realizado no Ouro Minas Palace Hotel, a presidenta da Dreminas (Associação de Pessoas com Doença Falciforme do Estado de Minas Gerais) e coordenadora geral da Fenafal (Federação Nacional de Associações de Pessoas com Doença Falciforme), Maria Zenó Soares da Silva, deu as boas-vindas a todos, destacando a oportunidade de compartilhar vivências, avanços e desafios que permeiam a reconstrução de políticas necessárias ao bem-estar e melhoria da qualidade de vida de todos aqueles afetados pela doença.

Por sua vez, a presidente da Fundação Hemominas, Júnia Cioffi, ressaltou a satisfação em receber as Associações em Minas Gerais e a alegria de constatar a preocupação de uns com os outros no cuidado com a Doença Falciforme (DF): “Muito nos gratifica vê-los  unidos no objetivo de ajudar as pessoas a se individualizarem, a potencializarem quem são e se reconhecerem na doença e, assim, se conscientizarem dos cuidados que precisam ter com sua saúde,  buscando caminhos e instrumentos que ampliem sua visibilidade como sujeitos de uma melhor atenção pela saúde pública”.

Prosseguindo, ela salientou a importância da parceria e harmonia entre todos para que as coisas aconteçam: “Conquistamos muitos avanços em Minas porque nós, mineiros, sabemos trabalhar juntos – Associações, executores das políticas de saúde, aliados às instâncias federal, estadual e municipal –, cada um no seu papel, focados nas reais necessidades de quem demanda cuidados específicos”.

Ecoando a fala de Cioffi, o doutor José Nélio Januário – do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad) da Faculdade de Medicina da UFMG, órgão responsável pela triagem neonatal de Minas Gerais, reiterou a importância das parcerias para construir a assistência à doença falciforme. Segundo ele, não adianta triar as crianças (teste do pezinho) se não houver como cuidar delas. “Aqui temos o privilégio de ter a Hemominas, o que facilita demais o trabalho do Nupad para referenciar as crianças com a doença, cujo percentual em Minas é muito grande. Igualmente, o trabalho da Fenafal, discutir questões relativas às famílias, suas carências, o que antes era muito difícil. Tivemos avanços significativos – lembro aqui o apoio da Joice, que nos ajudou a criar o projeto em Minas nesse sentido, com a gestão da prefeitura e do estado. Que tenhamos um bom trabalho, boas conclusões e encaminhamentos”, disse.

Dra. Joice Aragão:
Dra. Joice Aragão:"Belo Horizonte é o berço da triagem neonatal, e a Hemominas é referência no tratamento da população com DF"

Reverenciada por todos os presentes, a Coordenadora Geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde (CGSH), Dra. Joice Aragão de Jesus, mostrou sua emoção ao falar e reencontrar muitos de antigos parceiros que ajudaram a construir a história da atenção à DF. “Minas Gerais deu condições para realizarmos esse trabalho; não fosse a presença da Hemominas e Nupad não conseguiríamos. Belo Horizonte é o berço da triagem neonatal, e a Hemominas é referência no tratamento dessa população. Em 2001, trabalhando no Rio de Janeiro, vi a Fenafal nascer, configurando a presença do controle social mais efetivo. Caminhamos juntos, agregando pessoas que entendem do assunto – a DF estava totalmente abandonada”, disse.

Composta por afrodescendentes, “população caracterizada pela falta histórica de políticas públicas para acolhimento de suas vulnerabilidades sociais”, Aragão ressaltou que as pessoas com a doença são mais afetadas ainda, pois suas consequências se refletem na educação, no acesso ao trabalho, na saúde, na família, na interação social.

Segundo ela, a atuação da CGSH está concentrada em três blocos: DF, talassemia e hemofilia, reconstruindo o diálogo, atentos aos princípios do SUS - integralidade, universalidade e equidade -, trabalhando com comprometimento e respeito. Recentemente, outro foco ´da Coordenação é a G6PD (deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase), um distúrbio genético hereditário que pode resultar na destruição de glóbulos vermelhos (hemólise) e que afeta cerca de 3% da população negra, principalmente os homens. “Estar aqui e voltar à estrada depois de aposentada tem significado em todos os níveis. Temos um pacto com a humanidade e como nossa ancestralidade. Temos uma história: eu não saí do caminho - minha vida é com esse povo: aonde eu for, estarei junto”.

Questão racial na Doença Falciforme

“Falar de questão racial na Doença Falciforme não é só questão de vida – é de re-existência”. Com essa introdução, a doutora em Educação da UFMG e Consultora em Relações Étnico-Raciais e de Gênero, Yone Maria Gonzaga, traçou um perfil do racismo como condicionante de certas possibilidades de vida. “Ser feliz é um direito. E direitos humanos pressupõem dignidade e integridade das pessoas, especialmente por parte do Estado e suas estruturas de poder”. Nesse contexto, ela abordou os impactos do racismo na vida das pessoas com DF. Entre eles, a baixa escolarização, dificuldades de inserção no mercado de trabalho e desenvolvimento profissional, precarização da mão de obra, subemprego.

Yone Gonzaga e os impactos do racismo na vida das pessoas com DF:
Yone Gonzaga e os impactos do racismo na vida das pessoas com DF: "Importa reconhecer que a pessoa não é a doença, que tem limitações, sim, mas não a torna incapaz” - Fotos: Adair Gomez

“DF é um problema nosso, uma responsabilidade da sociedade. Há carência de informações a respeito na formação profissional em todas as áreas e até falta de ética e solidariedade. Pessoas com a doença requerem cuidados especiais, é preciso que as pessoas se eduquem para reconhecê-las e respeitá-las em suas especificidades; considerar as marcas no corpo, os olhos amarelados, mãos e pés inchados, feridas no corpo. Racismo isola, dói, maltrata, mata. Importa reconhecer que a pessoa não é a doença, que tem limitações, sim, mas não a torna incapaz”. Ao finalizar, Yone Gonzaga destacou a relevância do protagonismo dos movimentos sociais para maior visibilidade da DF e garantia de seus direitos: “Esperancemos por dias melhores. O nosso lugar é onde a gente quiser estar e com nossos direitos respeitados”.

Por sua vez, abordando o tema “Observando e compreendendo o cenário atual das organizações e suas necessidades”, a assistente social, pós-graduada em elaboração e gestão de projetos sociais, Karoline Moreira Silva, falou sobre a importância da elaboração de projetos e os caminhos que possibilitem a consolidação das organizações sociais para potencializar o alcance de seus objetivos, como a parceria com as administrações públicas. “As Associações necessitam de capacitação para alçar voo em direção às possibilidades de se desenvolver de forma plena e consciente de seus limites e necessidades”, recomendou.

Em seguida, ao desenvolver o tema “Controle Social e Políticas Públicas”, a presidenta da Dreminas, Maria Zenó Soares da Silva, salientou a necessidade de cada um pensar estratégias e ferramentas para estruturar políticas relativas à DF: “Nem tudo é campanha da Fenafal; temos que nos mobilizar, participar dos movimentos sociais, populares, coletivos, conhecer sobre consultas públicas e as leis relacionadas ao fomento da saúde. Temos direitos, mas também temos deveres”, instigou ela.

Zenó:
Zenó: "É preciso cada um pensar estratégias e ferramentas para estruturar políticas relativas à DF" - Fotos: Adair Gomez

Celebrando a volta da doutora Joyce à CGSH do Ministério da Saúde, “um fortalecimento e esperança para todos que vivemos essa luta”, Zenó lembrou os avanços já conquistados desde o início do ano: incorporação de novas tecnologias no SUS relativas ao cuidado com as pessoas DF, garantindo qualidade de vida e reduzindo a morbidade e mortalidade; incorporação de nova dosagem da hidroxiureia de 100 mg para alcançar crianças até nove meses de idade (antes, era de 500 mg); incorporação da terapia gênica para as osteonecroses; aumento de leitos para transplante de medula óssea (TMO). No momento, outra reivindicação é que o SUS centralize a compra da hidroxiureia para assegurar o acesso pelas pessoas com DF. “Minas é um dos poucos estados onde o medicamento não falta”, celebrou ela.

Também, a representante da Associação Pró-Falcêmicos de São Paulo (Aprofe), Sheila Pereira, acentuou a relevância do evento no sentido de agregar forças e discutir dificuldades comuns a todas as congêneres: “Unidas, conseguimos transformar a realidade com informações atualizadas, ações, protagonismo e uma maior interação direta com os governos”.

Em seguida, foi a vez da palestra “A importância dos movimentos sociais de base popular na luta pelo direito à saúde e consolidação do SUS (Sistema Único de Saúde)”, feita pelo pesquisador e professor José Carlos da Silva, doutor em Educação com ênfase em Educação Permanente em Saúde da População Negra e Mestre em Educação com ênfase em educação popular. Em sua abordagem, comentou a historicidade, transformações sociais e cenários nos quais a negritude perpassa a saúde pública, contextualizando os movimentos sociais e os conceitos a respeito, destacando que são ações coletivas, de caráter sociopolítico, que preveem uma identidade, liderança, uma base e uma demanda para se constituírem. Nesse sentido, Silva acentuou que eles carecem desenvolver certas práticas sociais que são ensinadas e, para isso, demandam processos educativos.

Finalizando o Enafal, dois outros temas foram referenciados: “Comunicação estratégica focada no Terceiro Setor”, a cargo do empresário e especialista em Gestão Estratégica da Comunicação Organizacional, James Rizo, que falou sobre os requisitos necessários à elaboração de campanhas que tornem mais eficientes e assertivas a divulgação da causa da Doença Falciforme.

Na sequência, o tema foi “A importância das mídias sociais e o papel dela na disseminação do conhecimento sobre a Doença Falciforme e a contribuição das redes sociais na elaboração de políticas públicas”. Feita por Simone Bruna de Oliveira Ferreira, pessoa com DF, criadora de conteúdo e ativista, geógrafa e representante da Associação de Pessoas com Doença Falciforme do Paraná, a palestra destacou como o espaço digital amplia a capacidade de compartilhar conteúdos e informações qualificadas, superando limitações físicas e geográficas, facilitando a acessibilidade. “Trazer esperança – não posso tudo, mas posso muito”.

Enafal reuniu cerca de 70 representantes de Associações de todo o Brasiil - Fotos: Adair Gomez
Enafal reuniu cerca de 70 representantes de Associações de todo o Brasiil - Fotos: Adair Gomez

O Encontro integra outros dois eventos - o IX Simpósio de Doença Falciforme e o Simpósio de Enfermeiros – todos promovidos pelo Ministério da Saúde (MS), em parceria com a Fundação Hemominas, Secretaria de Estado da Saúde, Prefeitura de Belo Horizonte, Associação de Pessoas com Doença Falciforme (Dreminas) e Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal) e que prosseguem até 11 de novembro. Os temas em discussão contemplam a necessidade de se retomar e reestruturar o fluxo da política de cuidado integral aos pacientes, passando pelo diagnóstico e tratamento das complicações relacionadas à triagem neonatal, transplantes de medula óssea e novos tratamentos, além de direitos trabalhistas, sociais e direito à educação, requeridos pela população que sofre da doença. 

Gestor responsável: Assessoria de Comunicaçao Social

Adicionar comentário


Código de segurança
Atualizar